Monday, September 25, 2006

Danny the cat

Danny the dog (ou Cão de briga) é definitivamente o melhor filme de Jet Li.
Se não pelos enquadramentos nervosos, ou pela fotografia digital vermelho-esverdeada, ou pela coreografia precisa dos movimentos de luta, ou mesmo pelo tema do homem-cachorro, que seja principalmente pelo fato de Jet li fazer a carinha do Gato de Botas do Shrek.

Sunday, August 27, 2006

REALLY NOT ANOTHER AMERICAN TEEN MOVIE

Difícil colocar em palavras sem abusar de clicês resenhísticos. Talvez porque seja um filme diferente, que as concepções e categorias disponíveis não permitam apreender ainda. Um anti-Eleições, cético e cínico, até o finalzinho, quando vira fábula - vira mesmo? Bem devagar, um filme passo a passo, arrastando-se pelas horas morosas de Napoleon Dynamite , um tri lambda genuíno, mas sem o orgulho tri lâmbda, talvez porque não saiba ainda que é um tri lambda. Contextualizado no sertão hillbilly norte americano da cidade de Preston, Idaho, ao som da nossa nostalgia oitentista de Cindy Lauper, Alphavile e mesmo o tema de Esquadrão Classe A, esse rapaz torto, desencontrado e mentiroso, ajuda seu melhor amigo, um mexicano recém chegado à escola a vencer a disputa para presidente estudantil. Se parece um filme de adolescentes e de colégio americano, é porque é um de fato, embora não siga em nada as facilidades e as soluções prontas do gênero, tendo como clímax, a melhor cena de dança no cinema desde Gene Kelly e Fred Astaire, com Canned Heat ao fundo. Inexplicavelmente bom, embora aqui se tenha tentado.

Thursday, August 24, 2006

Jalecos

Scrubs é mais um dos inúmeros seriados sobre hospitais que são veiculados pela tv a cabo no Brasil. É, no entanto, não um seriado dramático ou de ação como E.R. ou House. É uma Sitcom. E sendo uma sitcom, é recheada de momentos nos quais podemos rir da miséria alheia. O mesmo tipo de humor negro e desgracento de Seinfeld ou Married with Children, no qual os persoangens em cena fazem o possível para infenizar-se uns aos outros.
Há, no entanto, uma lógica interna que em cada episódio busca re-significar essas situações hobesianas, de forma á revelar o que há de humano nelas.

A superfície dos episódios é o escárnio politicamente incorreto, no qual tem um papel fundamental os flashbacks no futuro do pretérito, um dos melhores recursos visuais para a sátira inteligente, que se não me engano foi usado pela primeira vez em Parker Lewis.

Porém, a dinâmica interna das histórias é um processo de redimensionamento daquele escárnio, construindo ao longo de cada episódio, através de uma série de piadas e situações de humor incorreto derivados dos temas principais, um plano no qual irrompem os valores humanos em relação aos quais as piadas forma construídas. De forma que os incidentes e diálogos aos poucos apresentem as relações pessoais e de trabalho dentro de um hospital, os sonhos, os ódios, as humilhações, a bondade, por que têm aquele escárnio como temtativa de resolução. Exatamente o porcesso inverso de Friends, que parte dos valores e termina no escárnio - como me chamaram a atenção.

O maior feito, no entanto, é conseguir fazer isso sem parecer piegas. O segredo talvez seja o tratamento dado a tais valores. Eles não são postulados ideais e absolutos, descobertos ou reafirmados pelos personagens ao fim de cada episódio, mas sim atitudes e posicionamentos construídos em relação a um conjunto de situações humilhantes e difíceis.

E com todo esse lado sério, ainda conseguir ser hilariante e políticamente incorreto, Scrubs é a melhor sitcom dos dias de hoje.

Sunday, July 16, 2006

Mage: The Ascension

Já se perguntaram o quanto as nossas vidas são subordinadas à lógica da mercadoria? É impresionante o que se descobre se você para um instante da sua rotina para observar certos movimentos da sua vida comandados por esta lógica. Eu gosto muito de RPG. Um dos meus jogos preferidos é Mage. Há toda uma filosofia, uma metafísica, conformando uma empolgante metáfora para a opressão da modernidade, em um jogo de interpretação de papéis. Quanto mais o jogo pode se desenvolver neste sentido, melhor.

Quanto mais o jogo se desenvolve no sentido de seres humanos com poderes místicos, enfrentado seres espirituais e Deuses celestiais, num maligno plano milenar - a outra faceta de Mage, que é a que permite inserí-lo no resto do world of darkness - pior.

Não preciso dizer que a grande maioria dos suplementos segue o segundo sentido. No entanto, sem problema eu mestro minha crônica, pego o que tem de interessante nos cenários prontos e sigo em frente. Mas é extremamente frustrante - um verdadeiro freio criativo - quando se vai numa loja de livros de RPG. Os poucos suplementos que poderiam realmente adicionar criatividade e elementos novos ao jogo estão caríssimos. E, por outro lado há uma inundação de livros e suplementos inócuos, também caríssimos, que com certeza estão lá só para aumentar os lucros da White-Wolf. A sensação de entrar na Devir é de uma frustração imperiosa, o famoso pêndulo de Schopenhauer se aplica na elucidação desta sensação: seres humanos são criaturas de desejo e frustração, eu desejo o livros, eu desejo suplementos. Eu compro os livros, os livros são uma porcaria, eu me frustro. ficamos numa eterna vai e vem entra o desejo ardente e o tédio do pós-coito consumista.

Eternamente na busca da inspiração inicial que o primeiro livro, o módulo básico de Mage me deu. Magos lutando contra uma realidade com regras opressoras, que existem apenas e somente para manter a ordem, a Ordem. E nada mais, pois a ordem é a expressão máxima daquilo que existe, daquilo que é humano. Um jogo de Mage tem de se colocar contra isto. Como? Começa em não utilizar a mitologia Exalted como pano de fundo. Ela estraga todo o conceito de livre-arbítiro no jogo. Em segundo, FODA-SE os suplementos e a cronologia oficial. Em terceiro, Subverter os elementos do jopgo ao favor da história contra a ordem - não o contrário, de forma que a experiência de livre-arbítrio dos personagens seja real. Quarto, balancear as forças dos personagens com a dos antagonistas, sabendo as implicações que um desequilíbrio trará ao enredo; se não é um enredo de hack n´slash místico, nem de intrigas de corte de personagens padrão-da-editora, e sim, de como romper o sistema, isso significa que não deve importar quem é o mais poderoso, mas sim o que torna a história mais humana.

Por causa da frustração, faz mais de um ano que não mestro.

Thursday, July 13, 2006

Serenity - Piratas, ninjas e Zumbis.

Por que essas coisas boas de ficção científica nunca passam no cinema nacional? Serenity é um daqueles filmes cujo segredo foi a simplicidade. Piloto da Série de ficção Firefly, tem tudo que se quer num filme do gênero Space Opera. Um Império opressor, um bando de renegados, um soldado imbatível a serviço do Império caçando os renegados, uma personagem com poderes incompreensíveis. Costurados numa história coerenete e verossímil, apresentado com diálogos muito bem construídos, personagens e situações envolventes e temperado por uma atmosfera punk-faroeste.

Os tripulantes da nave Serenity, sob as ordens do captão Malcolm, que combateu no exército adversário ao da Aliança - uma força política que submeteu todos os planetas ao seu domínio - são uma espécie de Piratas espaciais - piratas ganham muitos pontos numa space opera. Serenity servirá de refugio para um casal de irmãos, que foge do principal antagonista do filme, uma espécie de ninja da Aliança, que deve perseguí-los silenciosamente, antes que segredos da Aliança sejam revelados pela personagem River. Piratas e ninjas num mesmo filme. O que falta? Zumbis.
Pois tem zumbis: uma raça espacial de devoradores de carne humana viva, os Reavers, cuja existência o plot ainda por cima explica.

A fotografia é soturna com as cores certas e constrói o clima, combinando com o recurso comedido da computação gráfica - o que permite cenas de naves espaciais á moda antiga, ou seja modelinhos e luzes como fazia George Lucas. Mas o que Cria esse clima mesmo é a música. Uma mistura de temas trovadorescos, de faroeste e música oriental.

Para ser um dos melhores filmes de todos os tempos, só faltaram os nazistas espaciais. Mas aí seria difícil, sem copiar a sagrada trilogia.

Saturday, July 01, 2006

Pequena história platonista do Rock N´Roll. Capítulo II: Do Hard Rock.

Como já foi adiantado no capítulo anterior, as duas principais referências para qualquer música de Hard Rock são o Purple e o Led. A guitarra blues selvagem do Jimmy Page - que se diferencia do blues tonelada-números-primos do Iommy - e o arsenal de melodias distorcidas do Blackmore são essenciais do ponto de vista sonoro. A porrada do Bonham foi mais importante para o Metal e para o Punk, pois é à bateria repicada do Ian Paice que se deve a bateria do Hard Rock.
Mas o que é o Hard Rock? São aquelas texturas sonoras construídas com o baixo e com os teclados que adicionam, à força da guitarra e da bateria, um outro universo, como no jazz, um som livre. É por isso que Lord, Glover, e John Paul Jones são fundamentais para o Hard Rock, eu diria até mais que os guitarristas acima. É claro, que se estas texturas forem exageradas ou viram virtuosísmo chato, ou então consolidam a purpirina sonora - lembram-se do Europe?.
Mas é o Gillan e o Plant os maiores responsáveis pela purpurina, logo pelo gênero farofa. Quando inspirados, coroavam o som com atitude irresponsável. Quando aquela lhes faltava, seus trejeitos redundavam numa acrobacia artificial que inspirou muitas bandas de hair metal nos anos oitenta.
Estas duas bandas, no entanto, desenvolveram aquilo que estava ali, embrionário, no Stones; para o bem e para o mal. Assim, toda vez que alguém se sente constrangido ao ver o Vince Neil ou o Brad Michaels dançando no palco, deveria se lembrar que as raizes da árvore, que teve eles como frutos, começaram no titio Jagger.

Monday, June 19, 2006

Futebol Cordial ou De como a Globo não vai nos convencer de que a Seleção não tá jogando nada.

Copa do Mundo; redes de televisão estrangeiras transmitem os jogos para o Brasil. A telvisão brasileira só compra os direitos de transmissão.
Nós, acostumados com o sistema Globo-Galvão de posicionamento de câmeras, estamos tendo novamente a experiência da apresentação de um jogo de futebol numa forma diferente. As transmissões Globo-Galvão, que se esforçam por acompanhar a nuca dos jogadores, têm uma narrativa visual que focaliza apenas o indívíduo. O trabalho coletivo desaparece, sobram os craques, e os perna-de-pau. Os lances geniais e os erros isolados. Fica incompreensível a função do técnico, que aqui se resume a colocar este ou aquele jogador, que neste momento é mais genial que aquele outro. O Bom técnico é aquele que sabe qual jogador está melhor em dado momento, já que talento no futebol é efêmero, experiência só conta se for a do Ronaldo Fofômeno.
A forma de apresentar os jogos na atual Copa tem privilegiado a presença de vários jogadores na tela ao mesmo tempo. A câmera acompanha o jogo tentando, ás vezes, englobar o campo inteiro, ou em outras, pelo menos a intermediária inteira. Isso permite por um lado entender melhor o esquema tático dos times. Por outro, ter uma dimensão de trabalho de grupo dos jogadores. É uma narrativa imagética que valoriza o futebol pelo que ele tem de coletivo, de esforço coordenado. Valoriza a apreciação do trabalho do técnico que monta o time pensando no todo orgânico a partir, é claro, dos talentos que tem disponível - e não como o Parreira, que tem um esquema a priori e encaixa quem cabe na sua abstração. Não temos visto tanto o close de jogadores escarrando no campo, como é costume no campeonato brasileiro. Em compensação, podemos apreciar a antecipação de um lançamento, porque as câmeras mostraram o lateral que correu para pegar a bola; não parece-nos mais sorte ou habilidade individual, o que vemos são times completos em campo. Pode ser um paralelismo redutor, mas só o futebol alemão, neuroticamente sistemático e disciplinado poderia resultar num sistema de telvisionamento de jogos assim. E talvez, sendo novamente reducionista, o sistema Globo-galvão só poderia ser a expressão televisionada do nosso Futebol Cordial.

Wednesday, May 31, 2006

Pequena história platonista do Rock n´Roll. Capítulo 1: do Heavy Metal.

Eu sinto pena de quem nunca escutou os três primeiros discos do Black Sabbath.
Os lado B é que impressionam, porque aí sujeito escuta bandinhas recentes (ano 2000, mesmo) com som de guitarra e baixo distorcido, bateria pesadinha e acha que é novo, quando tava tudo lá: no Black Sabbath, no Paranoid ou no Master of Reality.

E o que não veio do Sabbath, veio do Who e o que não veio do Who, veio dos Beatles.
(não é o lugar e a hora de discutir a importãncia do Stones, do Led e do Purple para o Hard Rock)

Friday, April 28, 2006

Allen e seus irmãos.

Ontem, Match Point.
Hoje, Hanna e suas irmãs.
É incrível, mas tudo começou com A Era do Rádio. Embora na verdade tenha começado mesmo com Poderosa Afrodite. Foi a Mira Sorvino que me apresentou Allen. E minha relação com A Era do Rádio, é uma reconstrução na memória a partir daquele coro grego maravilhoso de Afrodite. Mas todas as neuroses que se catalisaram ali, nestes dois momentos iniciais. O do relógio, do tempo abstrato e o subjetivo, do tempo vivido (que depois resignificou o do tempo abstrato), se reapresentam nestes dois filmes. O que está no cinema agora e o que eu vi em casa hoje.
Uma vida com e sem ambições; abandona-se aquilo que nos torna únicos, porque não nos torna únicos, mas pelo quê? Por uma garrafa de vinho de 200 dolares. E quem pode nos culpar? Deus?! Ele morreu. A bola e o anel, podem cair para o lado errado, o upstart depende delas, tanto quanto de sua audácia de seguir as paixões. De vencer uma paixão em nome de outra. E no final, o que sobra? Uma esposa grávida, bebês...
E se parece irracional, é porque é milimetricamente planejado para que pareça. A contingência é planejada e estruturada, como uma neurose do universo.
O jogo das irmãs resulta num bebê improvável - a única real impossibilidade, a única fortuna. O jogo dos cunhados, termina com a morte. Tres morrem, para que uma filha da burguesia tenha uma família completa. Como se o sentido nascesse da contingência, quando na verdade é a contingência que nasce do sentido.
Mas o que resta mesmo no final, sempre é aquele som inicial, um jazz saindo do rádio. Por isso é nele que tudo começou.

Tuesday, April 11, 2006

R de revanchinha

Gostar de V de vingança como um filme, eu gostei. Pronto. Não é só um ótimo filme de aventura e ação, digno da sessão da tarde, mas tem úm explícito conteúdo político, direcionado não apenas ao atual presidente dos Estados Unidos da América, mas também à noção atual de Estado democrático. A história do filme, apesar de ser construida em torno da existência de um Estado totalitário, o faz com situações no cotidiano das pessoas, muito, mas muito parecidas com o nosso mundo democrático-burguês. Tirando os toques de recolher, entre as situações que as pessoas comuns do filme vivem e o que nós vivemos, há muito pouco.
Que uma obra cinematográfica de ação, que ainda bem, teve um baixo orçamento, direcionada a um grande público fale positivamente da ação terrorista, da subversão, da transformação coletiva da sociedade por meio da insurreição, isso já é muito para o moedor de criatividade chamado Hollywood. Só o primeiro Matrix, junto com outro filme também fundamental, aliás, do mesmo ano 1999, Clube da Luta, conseguiram algo asim antes. E são estes dois filmes que colocam os senões de V.
Estes dois últimos, são revolucionários na linguagem cinematográfica, na narrativa, no uso das imagens e dos efeitos especiais. Vão além, do diálogo e da história linear e criaram novas maneiras de contar histórias no cinema. Mais que isso, desafiam o espectador em seu próprio lugar de espectador. São obras de arte que propõem o mundo à ação, há um quê de Brecht para as massas neles. São o que Benjamin queria dizer. Quem assiste, sai do cinema e contesta o cinema, contesta o mundo, contesta a realidade pasteurizada, com gosto de gordurta vegetal hidrogenada onde vive.
Infelizmente, V de Vingança não faz isso. Isso o torna um mau filme? Não. Só não aproveita suficientemente o potencial que a História em quadrinhos permitia. Faria isso se fosse estritamente fiel à HQ? Não.
Mesmo porque quem conhece a história da história em quadrinhos sabe que o salto anarquista só acontece Após Alan Moore escrever Monstro do Pântano e Watchmen. Antes disso era um Conde de Montecristo, inspirado numa obscura figura inglesa do século dezessete. A história de uma vingnaça com contexto político totalitário. Há um intervalo de anos entre o coemeço da história, na Inglaterra, e a sua conlusão já na DC Comix.
Mas a partir daí, todos os elementos do que já tinha sido escrito antes, são reinterpretados pelos autores, convertendo a história de vingança no mais poderoso libelo anarquista já feito. Nenhum teórico do anarquismo conseguiu construir uma visão, um vislmubre de um mundo livre e igual do futuro como David Loyd e Alan Moore. Mas é a linguagem da História em Quadrinhos. E como Moore fez até o limite do possível em Watchmen, em V provocou e tentou romper as fronteiras da arte na conclusão de V.
Para o filme estar à altura da HQ, deveria fazer o mesmo com a sétima arte. Não o faz. Apenas em uma cena.
A cena do dominó, onde contingência e controle, liberdade e previsão se encontram. Quando não se sabe mais o que é o que, quem controla quem, o efeito em cadeia irrompe e anuncia o fim do regime totalitário. É a grande cena do filme, a única à altura da HQ.
Mas que, mesmo não sendo genial, me conforta saber que este filme vai passar nas sessões da tarde do futuro, me conforta. Primeiro, porque a Veja não gostou, segundo, porque aí, pessoas podem querer ler a HQ, e aí o bicho Pega!

Thursday, March 30, 2006

A Rita Lee é os Beatles ao contrário, começa no Sgt. Peppers e termina nos Reis do Ié Ié Ié.
A Rita Lee é os Beatles ao contrário, começa no Sgt. Peppers e termina nos Reis do Ié Ié Ié.

Sunday, November 14, 2004

De vita in nigro albaque III

Assim como as algumas exegeses mais humanistas da Bíblia apontam que a queda edênica é também o início da emancipação humana, esta história é sobre a passagem do estado da segurança das aparências ao risco da vida verdadeira. Não há liberdade sem responsabilidade. E liberdade é essencialmente a obrigação de fazer escolhas, escolhas o tempo todo. Em Plesantvile não haviam escolhas, tudo estava escrito, determinado, por isso também não havia arte lá, o lugar de excelência das escolhas humanas. A arte explicita, mesmo que o artista não o queira, as inúmeras trilhas que a experiência do homem pode, pôde ou poderá seguir. O vendedor de hambúrgueres rebela-se e torna-se artista de muros, as músicas de gramofone se irrompem em jazz, twist e rock. Conforme a cidade deixa de ser irreal, deixa de ser segura; não há vida sem riscos. As transformações colocadas em curso pelo desejo, pelo sexo, pelo amor, pelo prazer, pelo conhecimento, pela coragem assumir para si a responsabilidade do próprio destino têm como marco a irrupção da chuva e do fogo. O mundo não-mais-perfeito saboreia os desafios da liberdade e o maior dos desafios de estar vivo: a morte.
As cores são de uma só vez sintoma e causa das mudanças. Aos olhos dos que não querem deixar de se ver preto e branco, um estigma; para os que buscam deixar o tédio repetitivo e fugir do que lhe fora escrito (pelo destino, pelo roteirista da série, por Deus), uma sedução. A bela fotografia, o intercalar dos matizes de preto e branco com as fortes cores, não só marcam as gradações da passagem de um mundo idealizado para o mundo das contradições e dos conflitos, mas também enchem os olhos, principalmente nas cenas onde as cores e os matizes de cinza se confundem; se é possível entender a visão como um sentido emotivo, é assim que acontece, o efeito é o de inocência e de descoberta. Inocência, que não é perdida com a posse do conhecimento, mas que torna-se mais bela, e ganha sabor.
Seria possível dizer então, que esta história é uma inversão do mito da queda, mas ela não o é. Não é o negativo da bíblia. Se por um lado, não é uma queda do estado imortal causada pela infração de uma regra criada pela autoridade maior, não é também, pelo contrário, um retorno ao paraíso. É sim uma passagem de um universo estático a um mundo dinâmico como na Bíblia. Mas é mais que isso, é uma ascensão. Através de uma belíssima fábula, tipos tornam-se personagens, uma série de televisão torna-se uma cidade viva, escapa à representação de um ideal artificial e se torna uma realidade que engloba o sonho e o desejo, o medo e a dor. É uma repetição do mito edênico, não simplesmente invertida, mas com a conquista da árvore da vida. Os personagens do filme, tanto os habitantes do seriado como os invasores, mensageiros da palavra divina, tornam-se como o criador, tornam-se reais, tornam-se vivos, tornam-se livres.

Tuesday, October 26, 2004

De vita in nigro albaque II

O mundo estático de Pleasantivile é o mundo do trabalho desnecessário, da prática recorrente e impensada, o mundo onde as pessoas repetem todos os dias os mesmos movimentos, sem saber o porque, um mundo sem arte, um mundo onde tudo é previsível e calculado. Se os Estados Unidos da América dos dias de hoje tem um sonho, este é o lugar: Pleasantivile. Onde há ordem e previsibilidade, onde não há conflitos e toda a sociedade, de maneira organizada, funciona e nada mais. A fala de David para o dono da lanchonete simboliza esta necessidade:
“- Você tem de fazer este o que esperam de você!
- Por Que?
- Porque as pessoas precisam comer hambúrgueres.”

Para o personagem principal, David, Pleasantville é um lugar utópico. Não está em lugar algum e não está próximo de nada. Uma rua, se perseguida até o fim retorna ao começo. A cidade é um não-lugar. Não possui, também, passagem de tempo: a narrativa da história e os acontecimentos nunca ultrapassam os limites estabelecidos pelo tempo de meia hora de um episódio, e ao começo do próximo programa, tudo está como sempre deveria estar, como sempre esteve. Lá, não há mudanças. Com a interferência dos dois personagens principais, David e Jeniffer, irmãos, Pleasentvile irrompe em brigas e discussões, preconceito e ódio, sexo e amor; perde o seu estado de idealização para tornar-se uma cidade com realidade própria. A cidade torna-se colorida, uma vez que, ante os homens e mulheres cinza, a cor é como uma espécie de agente corruptor e, ao mesmo tempo, estigma daqueles que se não agem mais de acordo com o que o resto da cidade espera.
O filme lida com o mito hebraico-cristão da Queda. A humanidade deixa o estado permanente e imutável ao entrar em contato com elementos misteriosos e proibidos pela autoridade; perde a felicidade e conhece o sofrimento. Mas o filme também é uma narrativa que se insere perfeitamente na tradição das viagens às terras do sonho, e segue suas regras: as viagens são permitidas apenas àqueles que merecem, que são puros e intocados. Desafios devem ser enfrentados, e mudanças devem acontecer nos personagens ou na terra visitada antes que os protagonistas possam retornar à normalidade. Dessa forma, David consegue ir para Pleasantvile por ser o único merecedor. O prêmio então é a oportunidade de participar deste paraíso imaculado, que não podia estar senão numa televisão. Jenniffer infiltra-se por acaso, o que também é comum nas narrativas de viagens ao desconhecido. Juntos eles se transformam e transformam Pleasantvile.
Para a religião cristã e para o judaísmo, o pecado dos dois primeiros seres humanos é terem aberto tanto o livro do conhecimento como o livro da vida. Vários elementos da história da queda de Adão e Eva estão presentes neste filme, mas com sua função invertida. David é um escapista, um desajustado, com poucos amigos e que mergulha profundamente no mundo da fantasia para fugir de sua incapacidade de se relacionar com outros seres humanos. Ele é o escolhido para viver uma semana em Plesantvile porque aquela cidade pacata sem conflitos e sem dor era o que ele buscava em sua mediocridade. A maçã e a moça chamada Eva mostram para David, não o pecado e a perdição, mas o caminho para a vida fora da sala de estar e longe da tv. O protagonista torna-se colorido ao entender o valor do desejo, ao ganhar coragem para viver. O exato oposto de sua irmã, que para tornar-se completa aprende o sabor da leitura, da descoberta e do aprendizado, Jeniffer como a Eva no paraíso prova da árvore do conhecimento, e ganha com isso algo muito valioso: sua própria emancipação.


Continua no Vita in nigor albaque III

Thursday, October 07, 2004

De vita in nigro albaque I

Segundo uma tradição japonesa, cada vez que se experimenta um alimento que não se conhecia, ganha-se setenta e cinco dias de vida. Será verdade o que esta tradição afirma, que há tanta beleza na descoberta que isso nos torna mais vivos? Nossos olhos e sentimentos seriam, assim, tão enriquecidos com uma inesperada felicidade e alegria após o contato com aquilo que nunca vimos antes, que nos tirariam parte do peso da passagem do tempo? Se evitarmos as armadilhas da fácil assimilação, não aplicar tradições pertencentes a culturas com pressupostos distintos e uma dinâmica diferenciada da nossa, mas apenas aproveitar suas boas idéias para inspiração, surge uma pergunta diferente: descobrir as agruras do mundo real não é, por outro lado, perder a inocência da fantasia? O nosso jeito sisudo de pensar e de viver, a nossa implicância moderna e ocidental de separar o sonho da “realidade” responderia sim a esta segunda pergunta; o filme A vida em preto e branco , sem sair do modo ocidental de ver o mundo, responde afirmativamente às duas primeiras.

Imaginem uma cidadezinha que representa o ideal do american way of life (seria ela o paraíso norte-americano?). Aquele jeito de viver dos comerciais de margarina, com a família unida e uma célula familiar perfeita: pai-mãe, filho-filha. Família que troca de carros e de eletrodomésticos a cada dois anos, em que o pai trabalha contente num emprego que nós acharíamos tedioso, com a vizinhança de subúrbio gentil e sem conflitos, sem maridos que espancam esposas e filhos; onde os filhos, se namoram, o fazem timidamente e só conhecem os segredos do sexo depois de casar. Aqui, que fique bem claro, estaríamos fazendo uma certa concessão à realidade do american way of life. A cidade é tão ideal em sua representação que se aproxima do mundo de Disney: ninguém conhece o sexo no paraíso puritano-industrial que é Pleasentville. Esta é a auto representação da sociedade americana dos anos cinqüenta; o seriado retrata um destes programas da televisão americana da época, quando rigorosos padrões morais regulavam as comunicações de massa, tanto os meios de comunicação quanto a industria cultural. Enquanto o mundo mudava, enquanto os conflitos mundiais e morais, tanto externos como internos se explicitavam, a televisão, o cinema e as histórias em quadrinhos norte-americanos eram aprisionados pelos códigos de suas respectivas indústrias. Observados pelo governo e regulamentados pelas próprias produtoras; resultado indireto, nos meios de comunicação e nas artes, da perseguição macartista à liberdade de expressão artística sob a justificativa da caça ao perigo comunista. Este é o mundo representado pelos seriados de televisão do qual o seriado Pleasantvile é uma espécie de arquétipo-estereótipo, resumo das principais e mais intensas características.

Continua no De vita in nigro albaque II

Wednesday, August 11, 2004

puta filme ruim - Queimando ao vento

Queimando ao Vento é o tipo de porcaria dispensável.
Também de um diretor italiano, trata do mesmo assunto que Assédio do Bertoluci, tinha boas intenções, mas como diz o velho ditado...
É uma porra de filme sobre a condição de um imigrante Tcheco eu acho, na Suiça. Até aí, a premissa é boa.
Mas sabe, aqueles personagens-desgraça, sem graça, feitos para você sentir pena e nojo ao mesmo tempo? É um desses, mas não rola a pena, por que o cara é antipático até o osso; não é possível nem se identificar com ele na negativa, por ser quem "faz o que eu não faço". O que o imigrante almeja é ficar sentado no seu quarto escrevendo, pois não tem coragem de se matar - que é o que ele quer que nós pensemos que ele quer.
Fora isso, há um péssimo desenvolvimento da condição do imigrante, superficial, supérfluo. O importante é amor que ele tem pela meia irmã, cujo o pai(dele também)ele tentou assassinar antes de fugir de seu país natal, pois não aguentava viver sendo um filho da puta - literalmente. Mas tudo bem, ele reencontra sua irmã-jocasta casada e a engravida, mas ela aborta!!!!!E ainda tem final feliz. E as imagens não resolvem o filme, as imagens se arrastam, não criam a história, são enquadradas de forma acadêmica pelo roteiro pesado e preso aos preconceitos do cineasta.
Kubanacan era muito melhor.

Monday, May 03, 2004

Kill Bill

No dia de ontem, eu assiti Kill Bill. Mas este dia não foi marcado exclusivamente pela minha ida ao cinema. Foi um dos melhores dias do ano. Não sei porquê. Talvez eu saiba, mas não queira encarar a verdade, por isso digo que não sei. O ponto é, há muito tempo, meses, eu me arastava sobre duas pernas, buscando razão na vida - razão que eu ainda não encontrei, é necessário afirmar - mas no dia em questão eu transcendi esta prática cotidiana. Domingo eu não me importei com nada daquilo que me incomodaria num outro momento. Na verdade, no final de semana inteiro, esta sensação de vítima perante Deus, coitado do Universo não me dominou, não tomou conta dos meus pensamentos. Foi como se eu tivesse tido uma revelação dos desígnios de Deus, e gargalhasse da miséria planejada; ou como se eu tivesse rompido o véu de ilusão que preenche a realidade e visto o quanto a noção de individualidade é uma piada de mau gosto das pedras. O nirvana do foda-se o mundo.
Kill Bill foi a chave aurica que fechou o meu final de semana.
Violência Gratuita, estilizada, com uma narrativa fractal e a Lucy Liu; ao som de faroeste oriental. Um liquidificador de tudo aquilo que o ser humano traz de pior, realizado da melhor maneira possível.
O que eu preciso agora é escutar Ultrage A Rigor, para complementar a minha recém adquirida paz de espírito.

"Eu me amo, não posso mais viver sem mim"
Roger
Uiran feliz. Aproveitem, não vai durar.

Monday, March 29, 2004

Intervenção Divina

As pessoas do lado certo da luta do Bem contra o Mal deveriam assitir este filme. Bom, não que seja um sinal seguro de que o filme é bom, no entanto, qualquer coisa que seja recusada pelo Oscar (tm), como este filme foi, é digno pelo menos de uma atenção inicial. Intervenção Divina, um filme do diretor palestino Elia Suleiman, foi barrado à disputa pelo Oscar de Melhor filme estrangeiro, pois se inscreveu como um filme da Palestina - e aos olhos do Oscar e de Hollywood, a Palestina não é uma nação.
Após ver o filme, nós entendemos que isso era apenas um pretexto mesmo. Um filme que retrata o cotidiano espezinhante do Palestino médio, e de forma sarcástica, o comportamento dos soldados israelenses. E com pouquissimas palavras, muita teatralização e cenas onde o som suger a ação não revelada pelas câmeras. O clímax do filme é a reapropriação da personagem Trinity de matrix, como uma combatente das máquinas opressoras - Israel.

Du Caráio!

Wednesday, March 03, 2004

O que há de interessante num Tom Hanks perdido numa ilha deserta?

Sujeito que trabalha na maior companhia de correios do mundo, no dia de ação de graças a trabalho, cai com avião. Fica perdido numa ilha deserta durante quatro anos, um dia volta para civilização, querendo reencontrar a sua namorada. Essa é a base do roteiro do filme Náufrago. Não é muito boa, uma vez que a linha central do filme acaba sendo o romance do protagonista com a namoradinha na América. A narrativa é conduzida por essa história de amor clichê, que infelizmente ao fim do filme continua isso: clichê. Para Hollywood, mais uma história de amor com Tom Hanks. A relação do Chuk Noland (Hanks), com sua namorada e futura noiva Kelly (Helen Humt), é um elemento nesse roteiro, entretanto muito mal desenvolvido. Por mais estranho que possa parecer, numa história onde alguém sobrevive ao oceano Pacífico numa jangada, o relacionamento entre os dois é o ponto menos verossímil.

E para aqueles que vão assistir o filme e tentam ver alem daquilo que geralmente se procura no filme-entretenimento ? Isso é, quem quer assistir o que está além da fórmula básica do roteiro (história de amor, ator carismático, atriz bonitinha)? Bom, nesse caso é possível dizer que Náufrago é um filme bom. Muito bom. Esse é um daqueles filmes que o que realmente importa não é o muito a narrativa, mas a maneira como esta se dá. O trabalho do diretor Robert Zemeckis foi crucial para que o filme conseguisse aproximar-se daquilo que estava na intenção inicial. A idéia do filme, o argumento era a pergunta que o ator Hanks se fez: como alguém totalmente imerso na sociedade contemporânea conseguiria sobreviver de súbito isolado numa ilha deserta? Chamou o roteirista William Broyles Jr. para colocar isso na forma de filme. Broyles jr. consegue por no pano de fundo muitos indícios que constróem o argumento central do filme. São os detalhes nas falas, nas imagens, nos sons, na trilha sonora incidental que falam mais do que a história.

O empregado da Fed Ex, companhia de correio americana de atuação internacional, tem sua vida controlada e contada pelo relógio. Frenética, ela não lhe dá chance de descansar, não lhe permite vivê-la. O discurso inicial de Noland para os contratados da filial da Fed Ex na Rússia, que carrega na importância do tempo para eles, mensageiros, revela a escravidão do homem contemporâneo ao tempo (e lembrem-se tempo é dinheiro). A música grandiosa, que no começo do filme acompanha a caixa de correio oriunda do meio-oeste americano até a Rússia, apresenta essa onipresença humana no globo. O tempo mais rápido, o espaço menor; o mundo de Chuck noland é pequeno. Os movimentos da câmera são rápidos, sempre acompanhando Noland transitar pelos outros. No jantar com a sua namorada, que ele mal vê, sente-se deslocado, é a família, mais uma obrigação. O pager toca, Chuck, o trabalhador especializado do novo capitalismo sai no meio do jantar para uma entrega de última hora. Até aí, o que temos é uma ótima demonstração do que se resume sua vida: o emprego. O relacionamento com Kelly dificilmente pode ser considerado amoroso, é uma troca de palavras obrigadas, e, com certeza seria um inferno de casamento, com divórcio depois de dez anos e duas crianças. O homem-trabalho de Hanks não tem tempo para uma família.

Cai o avião. A cena da queda é espetacular do ponto de vista cinematográfico. Sem música, só os sons do acidente e do oceano. A iluminação utilizada na cena realça a sensação de isolamento; só há fontes de luz nos pedaços flutuantes do avião em chamas. Aos poucos, vão sendo substituídos pelos relâmpagos, conforme o bote salva-vidas se distancia do local da queda. Lampejos ao acaso iluminam o bote cada vez menos, enquanto a câmera também se afasta mostrando cada vez mais o nada composto pela água salgada e pelas ondas. A chuva termina e a luz dos raios some. Tela escura, só restam os sons do oceano, até que Noland acorda na ilha. Sem carro, telefone celular, orelhão, pager, internet o mundo torna-se imenso, duas vezes a área do Texas para ser mais específico. O tempo para. A câmera estaciona. A música desaparece.

Embora no início, o homem ande de um lado para outro da ilha, não há mais ritmo frenético de filmagem, a câmera não mais acompanha o ator, está sempre fixa em algum ponto, não há música incidental, Durante dois terços do filme, o protagonista luta contra a natureza e contra a solidão. Chuck Noland não sai um vencedor do embate. Assim que garante sua sobrevivência, com pacotes náufragos da Fed Ex, a certeza que surge é a de que sobreviver não é uma vitoria por si só. O homem procura viver também. Chuck noland só sobrevive nessa ilha. Não tem emprego, não tem amigos, não tem conhecidos, não tem namorada, não tem nenhum prazer. Para ir além da sobrevivência animal, precisa de uma comunidade, precisa de um outro. Faz uma pintura rude de Kelly numa pedra e conhece Wilson, a bola de voley. Ao contrário de Robson Crusoé, o mundo selvagem não é domado pelo homem civilizado, pelo contrário, cada batalha vitoriosa de Noland é comemorada justamente porque ele sabe que a guerra está perdida. A não-vida de Chuck Nolanda quase o leva ao suicídio, à desistência. O que o salva é sua amizade com Wilson. Esse é o seu outro, seu ponto de interação social. Em quatro anos de isolamento, o comportamento esquizofrênico foi a única saída para manter o resto de sanidade possível nessa situação. Isolado, aquele namoro sem sal torna-se um ponto de referência para seu hipotético retorno à civilização. Longe dela e de seus defeitos, longe das obrigações da Fed Ex que lhe davam identidade e o aprisionavam, Noland precisa redefinir seu eu. É quando talvez a personagem de Helen Hunt se torne realmente importante para o naufrago. É isolado da civilização, de uma comunidade que ele vai perceber as coisas que realmente deveriam lhe importar. É no ostracismo, que encontra um momento de reflexão, se não para ele, para nós espectadores. O nome em português do filme perde muito dessa idéia. Náufrago tem muito mais contato com a o “sobreviver”, do que com “realmente viver” contido no original Cast Away, que tem o sentido de exílio ou exilado.
A bola, o amor são dois dos três pilares que o mantêm são. O terceiro é o único pacote que ele não abriu. Uma promessa de retorno, que o vincula ao seu eu anterior, ao seu papel de mensageiro, na chuva e no sol.

Sai da ilha, a musica retorna, acaba a epifania. Chuck vai sobreviver ao Oceano, e para chegar de novo à civilização precisa abandonar aquilo que salvou sua vida. Sua personalidade partida não resistiria ao mundo industrializado e racional. Wilson precisa morrer.
Ao chegar à América, Noland é outro, tem outra perspectiva da vida. Retorna ao mundo civilizado, a música agora é calma, suave, a câmera caminha lentamente acompanhando o ritmo vagaroso do olhar, do caminhar, dos gestos dele. Tudo é rápido, menos a câmera fixada em Hanks, que estranha o mundo. Parece estar redescobrindo a paisagem civilizada e tecnológica para o espectador. Obviamente, vai atrás de kelly, casada. Se por um lado é compreensível seu sentimento por ela, o dela por ele não faz sentido. O relacionamento dos dois era morno, lento e secundário. Ela não passou quatro anos isolada, ela teve outros com quem conviver. A atuação fraca de Helen Hunt não ajuda também, sua cara é quase sempre a mesma, sua voz é chorosa permanentemente. É uma pena que embora a lógica da história e o seu sentido apontem para a nulidade da relação, os diálogos e as interpretações tentem infrutiferamente mostrar algo de real nesse castelo de ar. Tom Hanks também incomoda nesse filme. Não é o seu bom mocismo, ou insistência em representar o papéis similares, mas o fato de querer repetir exatamente o mesmo papel. Quando está com Kelly, usa as mesmas expressões e tom de voz que usou em com Meg Ryan em Got M@il!

Mas felizmente o argumento se sustenta. Nosso herói volta da epifania e entende o conselho do diretor do filme, resolve viver. Se na ilha estava exilado, antes dela, também. Com o legado do seu passado, vive o presente e pensa no futuro. Parte numa nova jornada, voluntária. Acompanhado do seu velho carro, guardado pela ex-namorada; de uma nova bola Wilson, companheira de viagens; e de seu antigo papel social de mensageiro. Vai entregar o pacote restante, que é uma resposta à carta enviada à Rússia no início do filme (segredo que só os que assistem o filme sabem: o destinatário é uma linda ruiva provavelmente divorciada). Agora emancipado da obrigação de trabalhar, talvez devido a um processo e/ou seguro que a Fed Ex teria de lhe oferecer; pronto para enfim viver sua vida, pronto para ser livre. A encruzilhada, onde todas as possibilidades se abrem para o herói, é o melhor final possível para um filme que tenta discutir o que é sobreviver na sociedade contemporânea; sobreviver em função da máquina, do relógio, da produção, da desvalorização da sociabilidade, e principalmente, das fórmulas prontas e com final previsível dos filmes hollywoodianos.